IMAGEM EM TRANSFORMAÇÃO por Henrique Siqueira
Fotografia de gaveta, alusão às fotografias amadoras que registram situações domésticas, como festas e viagens, dá nome à exposição que o artista Marcelo Amorim apresenta no Sesc-Pompéia.
São fotografias marcadas pelo limite extremo de aproximação com as artes gráficas e que põem em dúvida a sua origem tecnológica. Valorizando a ação e a transformação, as fotografias são apropriadas de desconhecidos e, com o auxílio de uma copiadora, são recortadas, ampliadas e posteriormente reconstituídas.
Os atos realizados implicam uma operação no território da subjetividade. Ao furtar as fotografias, o artista comete sua primeira transgressão. A ação deste gesto recai menos no conteúdo legal do ato, ingênuo aos padrões éticos e legais da privacidade no nosso século, do que na sua intencionalidade: a apropriação simbólica da história contida naquela imagem. Amorim ainda executará outras intervenções que transformarão essas imagens destituídas de sentido ao olhar alheio em imagens dotadas de sentido transitivo no campo artístico.
Sua segunda transgressão consiste no apagamento da sustentação fotográfica. Esse processo se inicia com o retalhamento da fotografia em fatias que conduzirão o olho do observador a realizar um zoom que desvia a atenção da integralidade para um campo macro da imagem. Em seguida, cada fatia é ampliada em copiadora, equipamento que além de promover a deformação cromática degenera a cópia e ressalta as imperfeições não detectáveis no formato original, resultando em uma imagem opaca, suja. São procedimentos intencionais de subtração das características fotográficas e de aproximação com as propriedades da arte gráfica. Ao utilizar recursos como copiagem e recorte Marcelo insere atividades do cotidiano na imagem – recursos de uso rotineiro nos escritórios – e reitera o sentido da apropriação, agora atuando na própria morfologia da imagem.
Na seqüência, o artista reconstitui as imagens. Tendo como modelo a composição inicial, as folhas são dispostas deixando aparente as junções entre elas e, em seguida, são fixadas no painel. A escolha pelo método de colagem indica a intenção de deixar aparente a fratura da imagem e, por conseqüência, o processo de fragmentação. Esse recurso de montagem sinaliza também a aproximação com as propostas de arte e propaganda do espaço público urbano, com o lambe-lambe e o outdoor.
Apesar da descaracterização da imagem fotográfica, as três operações de transfomação – furto, retalhamento e copiagem – são compreendidas como um gesto expansor que trata a fotografia nas suas fronteiras. Nesse caso, a imagem fotográfica se afasta das características industrialmente pré-definidas para a câmera, como a captação e seus valores iconográficos, para valorizar as possibilidades de processamento da imagem, as mutações pós-produção e a intervenção do artista. Amorim está reposicionando o universo pessoal da foto-recordação guardada na gaveta do móvel de um quarto de dormir em um símbolo transitivo no território da subjetividade da arte.
*TRANSFORMING IMAGES *
by Henrique Siqueira
Drawer photography, alluding to the amateur photographs that record domestic situations, such as parties and trips, is the name of the exhibition that artist Marcelo Amorim is holding at Sesc Pompeia.
The photographs are closely related to the graphic arts and cast doubt on their technological origin. Valuing action and transformation, the photographs are borrowed from unknown people and cut, enlarged and reconstructed later with the aid of a copier.
The acts performed involve an operation in subjective land. By stealing the photographs, the artist commits his first transgression. The action of this gesture lies less in the legal content of the act – naive to the ethical and legal standards of privacy in this century – than in its intentionality: a symbolic appropriation of the history contained in that picture. Amorim also makes other interventions to transform these images, which are meaningless to others, into images featuring transitive sense in the artistic field.
His second transgression consists in eliminating the photographic support. This process begins by cutting the photo into slices, which will cause the viewer to zoom in on the image, thus diverting attention away from the whole towards and enlarged field of the image. Then, each slice is enlarged in a copier – in addition to promoting chromatic distortion, that device degrades the copy and highlights flaws that cannot be seen in the original format, resulting in an opaque, dirty image. These are intentional procedures for subtracting photographic features and approaching the characteristics of graphic art. By using copying and cutting tools, Marcelo inserts daily activities into the image – tools that are regularly used at the offices – and reiterates the sense of appropriation, working on the actual morphology of the image.
Then, the artist recreates the images. Based on the initial composition, the sheets are arranged in a way that the intersections among them become evident, and then they are attached to the panel. The choice of the collage technique shows the intention of revealing the image fracture and accordingly the fragmentation process. This composition method also points to a connection with the proposed art and advertising in urban public spaces, such as street posters and billboards.
Despite the distortion of the photographic image, the three transformation steps – stealing, cutting and copying – are understood as an expansive gesture that deals with photography on its borders. In this case, the photographic image departs from the ordinary, usual features of the camera, such as capturing images and its iconographic values, to value the possibilities of image processing, post-production changes and the artist’s intervention. Amorim is reshaping the personal universe of the photographs and albums we keep in the drawer of a chest in the bedroom, as a transitive symbol in the subjective field of the arts.
Text published in 2007 in the catalog of the exhibition, Tripé-Tempo, held at Sesc Pompeia, São Paulo.