O PODER DO SILÊNCIO por Thais Rivitti

Publicado por em out 9, 2012 | Notícias | Sem Comentários
O PODER DO SILÊNCIO <i>por Thais Rivitti</i>

O artista Marcelo Amorim vem construindo há anos uma obra que retira do silêncio sua potência perturbadora. Frente à espetacularização da vida, o artista prefere manter uma produção em baixo tom, solapando pouco a pouco a ideia de que, em um trabalho de arte, a comunicação pode ser feita de modo imediato.
Chamando a atenção de forma discreta, mas nem por isso menos aguda, para aquilo que ficou para trás, perdido no tempo, não contabilizado pela História, sua produção tem o poder de resgatar coisas – pessoas, hábitos, formas de sociabilidade e comportamentos – esquecidas ou deliberadamente apagadas da memória social coletiva.
A técnica empregada em seus trabalhos desempenha papel fundamental nessa construção. O artista frequentemente utiliza materiais antigos como fonte primária de sua pesquisa. Na serigrafia sem título (2012), especialmente elaborada para o projeto Múltiplos 397, ele parte de uma fotografia encontrada na internet. Trata-se de uma foto dentre as inúmeras postadas na rede diariamente cuja origem e referentes permanecem não revelados. Utilizar um material que está à disposição de qualquer um e, ao mesmo tempo, inevitavelmente perdido na quantidade de imagens que a rede nos oferece é um ponto de partida instigante. Revela desde o início que a disponibilização de conteúdos em larga escala traz consigo seu inverso: uma espécie de condenação de todos eles a um esquecimento, a viverem escondidos e sobrepujados por uma avalanche de “fotos do momento”.
Na imagem em questão, vemos um retrato do que podemos supor ser um time masculino de basquete, com os homens vestidos com um uniforme onde se lê: “normal”. A foto é um retrato bastante tradicional, com os jogadores postados diante da câmera e uma figura, vestida de terno, que podemos supor ser o técnico ou o árbitro da partida. Curiosamente, o que se vê não são atletas animados com a partida, mas pessoas sérias e bastante constrangidas. A afirmação de normalidade, estampada nos uniformes, mais nos faz desconfiar de que estejamos diante de pessoas “normais” do que atestam verdadeiramente sua normalidade. O nome parece funcionar como um rótulo, que antes nos faria desconfiar de sua veracidade, como quando lemos em um produto “livre de gordura trans”. O tratamento das pessoas como objetos desprovidos de subjetividade, quase como mercadorias nesse caso em que um rótulo se interpõe entre o sujeito e sua imagem, também nos remete inevitavelmente os retratos de cunho policial, aos presos fichados pela polícia, aos doentes catalogados em livros médicos. Classificados, identificados e rotulados como “normais” os homens retratados mostram-se desconfortáveis em representarem o papel sugerido. Afinal, ser normal pode ser um alívio ou um fracasso, a depender do ponto de vista e das regulamentações sociais que determinam o uso da palavra. Thais Rivitti


Artist Marcelo Amorim has been building for years a work that draws its disturbing power from the silence. As life becomes a spectacle, the artist prefers to keep his production in a low tone, gradually undermining the notion that, in a work of art, communication can be done immediately. Drawing attention in a discreet yet sharp manner to what was left behind, lost in time, unrecorded by History, his production has the power to rescue things – people, habits, forms of sociability and behavior – forgotten or deliberately erased from the collective social memory.

The technique employed in his work plays a key role in this construction. The artist often uses old materials as the primary source of his research. In the untitled (2012) silkscreen, especially developed for the Multiples397 project, he uses a photo found on the Internet. This is a picture among the many posted daily on the web and whose origin and references remain unrevealed. Using material that is available to anyone and at the same time inevitably lost in the huge number of images the web offers us is a provocative starting point. It reveals from the outset that the availability of content on a large scale also has an opposite effect: they will eventually fall into oblivion, live in hiding and be overshadowed by an avalanche of “latest photos.”

The image in question is a portrait of what we assume to be a men’s basketball team, and men wearing a uniform that reads: “normal”. The photo is a quite traditional portrait, with players standing before the camera and a figure, wearing a suit, who may be the coach or the match referee. Interestingly, what we see are not athletes excited about the match, but rather serious and very embarrassed people. The statement of normality, printed on the uniforms, makes us more suspicious that we are faced with “normal” people rather than truly attesting to their normality. The name seems to work as a label, which at first would make us suspicious (wondering whether it is true), like when we read “trans-fat-free” on a product packaging. Treating people as objects devoid of subjectivity, almost as commodities in this case, where a label stands between the subject and its image, also inevitably leads us to police pictures, police records, and patients listed on medical books. Classified, identified and labeled as “normal,” these portrayed men look uncomfortable representing the suggested role. After all, being normal may be a relief or a failure, depending on the point of view and the social rules that govern the use of the word.

Text published in 2012 in the folder of the Multiples397 project, held at Ateliê397, in São Paulo.
Thais Rivitti